segunda-feira, 31 de março de 2008

AURORA

“Alvorada lá no morro, que beleza

Ninguém chora, não há tristeza

Ninguém sente dissabor.

O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo

E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo

(a alvorada)”...

Cartola

Bom dia! O amanhecer é lindo, sim. Aqui e em qualquer lugar. Exceto quando a afobação nem nos permite percebê-lo. Hoje, mesmo quando não tenho absolutamente nada para fazer durante todo o dia, o que não é raro, me levanto ainda antes das últimas voltinhas da terra perante o sol, quando ela está prestes a descortiná-lo e assim dá gosto. Acostumado ao batente desde muito jovem já que tinha eu 14 anos de idade, fui cedo forçado a conviver com a mudança que se opera quando termina a escuridão da noite e irrompe aquele claro sem medida. Lindo nem sempre, se o olharmos com os olhos das obrigações e preocupações com as lidas da vida, mas lindo pelo acesso soberbo e indiferente a tudo. Para mim é como presenciar ao vivo em com todas as cores, uma mudança de estação. Não me satisfaz abrir os olhos e ver pela janela do quarto que o dia já é dia sem ter admirado como testemunha o seu nascimento. Gosto de começar junto com ele. Observando o branqueamento infalível da noite vencida sem necessidade de luta ou qualquer outra contestação da natureza. Com estrelas e lua serem tragadas, num deslize do tempo, pela imensidão da aurora. Ainda mais quando ela vem aparecendo dominadora e imponente com aquele gigantesco sol dourado atrás de uma montanha. Bom dia!

domingo, 30 de março de 2008

CASA VELHA

A imortalidade não pertence ao fato em si. É filha da memória. Minha nossa, tanta filosofia barata para falar de um bar! Melhor dizendo, de um bar e de histórias de bar. Perdi a conta das belas, divertidas e inusitadas situações vividas nos bares que acompanham nossa rota de adolescentes e as reuniões de amigos, de caçadores de aventuras amorosas ou de lazer desacompanhado de segundas intenções. O bar não é somente o refúgio etílico dos destituídos de afeto social, tampouco o ponto ideal para as tomadas de decisões que envolvam rota de mudanças ou permanências desejadamente definitivas. Antes e acima de tudo é o lugar do encontro casual ou marcado. O espaço da reflexão breve, da observação de modos e maneiras e em última análise, lugar para se comer e beber, bem ou mal. Aos mineiros a quem é imposta a marca de ter esse recanto entre suas preferências primeiras por não serem diariamente lavados nas bordas e entranhas pelo mar, e se a alguém isso incomoda, digo que o coração que cabe no mar bate mais perto no bar, e que os bares vão às praias também. Pois é, mas o assunto aqui é dessas noites que a gente não tem vontade de ver terminar. Ainda mais que aquela noite eu vi, enquanto esperava condução para voltar para casa. O cenário de um bar qualquer já bastava, mas aquele tinha uma particularidade estética: era um casarão do século XIX, que abandonado ou sei lá o que, foi transformado em um lindo bar e em conseqüência, também o mais freqüentado em Itabira. Chamava-se Casa Velha Bar. Noites servidas de canções ao som dos vários violões que por lá circulavam com seus magníficos artistas anônimos, de deliciosos caldos preparados para as noites mais frias (o que era comum em Itabira, o frio) e enfeitadas pela beleza arquitetônica. Não se podendo esquecer a localização, bem no alto do morro mais central da cidade, ao lado da imponente Igreja da Saúde. Estávamos quase todos em inícios de namoros, mais ou menos apaixonados – dependendo do tempo, dos pares e das intenções. Cantorias, fugas para os arredores mais escuros em volta da casa-bar pelos mais afoitos com a libido e o doce e ardente clima de noite boêmios completavam a companhia.

O Genésio, o nosso violeiro e compositor de verve da mais alta criatividade e também dono de irrefutáveis argumentos apaixonados e apaixonantes, tanto nas letras de suas composições, como ao vivo e aos beijos (ou melhor, a cores), namorava a Rogéria, amiga elétrica e falante da nossa turma. E ao mesmo tempo, a Betânia, outra amiga, menos elétrica e menos falante, enfermeira, que poucas noites tinha disponíveis por causa de seus plantões no hospital. Ambas amigas comuns da turma, mas estranhas entre si, até então. Assim a sua administração do imbróglio ficava mais fácil; tanto que havia ficado noivo de uma e de outra. Dá-se dessas trágicas e cômicas coincidências, não muito difíceis em uma cidade pequena, de encontrarem-se as duas, já desconfiadas da meada ou avisadas por alguma amiga solidária e resolvem levá-lo a julgamento público ali mesmo e naquela hora (foi assim que acabaram se tornando amigas; pelos acordes dissonantes que as vitimavam). Ele lá, desavisado e alheio a tudo, agradando a todos com a voz e o som delicioso do violão. Intimado aos devidos esclarecimentos para a decisão da escolha obrigatória entre essa ou aquela - não sem antes ser chamado de safado, pilantra, traidor, entre outros adjetivos pouco amáveis-, postou-se de pé, diante de toda a platéia que se formou em volta. Num simples e rápido lance, quando todos já contavam com sua tentativa de fuga, palidez ou rompimento definitivo, desferiu poeticamente seu sincero depoimento. Voz grave, firme e afinada, deixou-as com cara de tacho e a todos mais ainda boquiabertos.

– Não posso fazer nada. Eu amo as duas.

sábado, 29 de março de 2008

DIMINUA O TAMANHO DO PEIXE QUE EU APAGO A LAMPARINA

Homem pesca peixe 25 anos após tê-lo jogado na água*

Algumas pessoas pescam peixes e depois os devolvem à natureza. Com o biólogo americano Bill Wengert, do Estado de Wyoming, aconteceu algo diferente: 25 anos depois de ter jogado um peixe na água, ele pescou-o. Em abril de 1983, Wengert e outros biólogos do Departamento de Pesca depositaram cerca de 12 mil trutas em um reservatório no sudoeste do Estado. Lucy Wold, porta-voz do departamento, contou que Wengert estava pescando recentemente no reservatório - que tem 146 km de comprimento - quando fisgou uma truta. O biólogo, então, percebeu que a barbatana pélvica direita da truta estava cortada, o que indicou se tratar de um peixe que havia sido depositado no reservatório. Examinando dados históricos das atividades do departamento, ele concluiu que a truta havia sido colocada naquelas águas no dia 14 de abril de 1983. "Provavelmente fui em mesmo que cortei a barbatana desse peixe, e era eu que estava guiando o barco quando as trutas foram depositadas no reservatório, quase 25 anos atrás", afirmou Wengert.

Sábado, 22 de março de 2008, 10h47 ( fonte: http://noticias.terra.com.br/popular)

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Pois eu também tenho minha história de pescador digna desses torneios que são realizados para expor e premiar as maiores proezas dos aficionados pelo banho na minhoca. E é semelhante à credibilidade dessa que foi relatada na notícia ai em cima. Meu pai que não é pescador e não gosta de mentiras (a primeira afirmativa é verdadeira) contou na roda de crianças que se fazia em nossa casa uma aventura de uns amigos seus, com tanta convicção que até ele mesmo acreditava no grande feito. E é pura verdade. A fé das crianças e suas crenças são tão inabaláveis, principalmente se são provocadas pelos pais. Acreditei por muito tempo e construí o cenário completo dessa história em minha imaginação como foi descrita nas minúcias.

Lançadas as varas, a turma ali naquele silêncio cheio de cumplicidade e vigília que caracterizam os momentos de concentração na margem do rio e, de repente, eis a fisgada. O sujeito dá linha para agarrar bem a presa e repuxa e solta, repuxa e solta, repuxa e solta para dar uma canseira no bicho e tirá-lo da água com aquele prazer de cintilar os olhos. Começa a se inverter a situação em favor do peixe e o pescador dá ares de cansaço e sem forças para arrancar a vítima. A turma acode logo e faz um cordão como aqueles que se faz para resgatar pessoas caídas em um buraco. O peixe resiste bravamente. Trocam a linha por uma mais grossa e amarram-na no pára-choque de um dos carros para aumentar a força e nem sinal da cabeça emergir. Antes que arrebentasse a linha e se perdesse essa pérola rara, avistam um trator desses de fazenda e alguém tem a brilhante idéia de amarrar com cabo de aço, que o bicho além de grande era forte mesmo. Um dos mais corajosos entre o grupo entra na água e troca o frágil anzol por um gancho daqueles usados para ancorar navio. Agora vai! Foi unânime o grito. Foi dada a partida e ligada a tomada de força. Acelerou. Potência total. Expectativa geral. Disse meu pai que retornaram cabisbaixos e frustrados todos já que não foi possível nem uma fotografia para tornar ainda mais verossímil a história. O rio entortou todo, mas o peixe não saiu.


sexta-feira, 28 de março de 2008

A COISA PÚBLICA E A COISA PRIVADA (COM TROCADILHO)

Houve uma época em que eu assinava o Jornal Folha de São Paulo e ele tinha um caderno chamado cotidiano, recheado de coisas do cotidiano (risos meus), curiosidades, notícias de São Paulo e do Brasil. E era nelas que o grandíssíssimo escritor Moacir Scliar (assim mesmo, no superlativo aumentado, que o homem é da mais alta estatura literária) se inspirava para recolher um retalho do essencial de determinada matéria e dela produzir belas crônicas. Gostava tanto que, do jornal colecionei por um bom período, esses recortes e o caderno Ilustrada, que privilegiava o debate, a exposição de idéias, a literatura e música, cinema e outras coisa menos graves ou urgentes. Falei outras vezes que boa parte do que se noticia na tv e na internet serve muito mais à inspiração do que à relevância, portanto resolvi transformar em ficção a bizarrice de certas gentes e de certos (ou errados) fatos. Que me perdoe o escritor, mas não é cópia, nem plágio. É inspiração também, já que não tenho a pretensão de atingir a qualidade correspondente e nem sou capaz para tanto brilho, viu mestre? Começo já.

Família inteira de Prefeito é aprovada em concurso em MG

“O resultado de um concurso público está causando polêmica entre os moradores da cidade de Ipaba, no Vale do Aço, a 250 quilômetros de Belo Horizonte. Tudo porque, na relação dos aprovados, aparecem os nomes da mulher, de três filhos e dois sobrinhos do prefeito José Vieira de Almeida (DEM). A lista de aprovados também se estende a secretários e a uma filha do vice-prefeito. A polêmica já chegou ao Ministério Público. Na semana passada, o advogado Denner Franco Reis fez uma representação à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público em Ipatinga pedindo a anulação do concurso...

...As suspeitas de favorecimento, de acordo com a representação, também recaem sobre a filha do vice-prefeito, José celestino Pena (PSB), Janaína Silus Pena, aprovada para a única vaga ao cargo de atendente de consultório odontológico da prefeitura. Também foi aprovado no concurso o secretário de Saúde, Weber Freire Pascoal, para a vaga de motorista. Ele receberá salário mínimo. Já o secretário de Tributos, Everton dos Reis Couto, foi aprovado para o cargo de encarregado de serviços, também com salário mínimo. “Os salários deles giravam em torno de R$ 2 mil. Agora, com a aprovação no concurso, eles podem ser apostilados em seus cargos, ou seja, exercem a função para a qual foram aprovados no concurso e recebem o salário do cargo de comissão” disse Denner Reis.

...A secretária Sebastiana Souza de Oliveira foi uma das que concorreram à vaga de secretária-executiva, na qual foi aprovada a mulher do prefeito. Segundo ela, o resultado não foi o esperado por quem participou das provas. “Eu me preparei e acredito que fiz uma boa avaliação, mas já suspeitava que esse resultado poderia ser de cartas marcadas” disse a secretária. De acordo com ela, as provas para conhecimentos gerais foram direcionadas a pessoas que trabalhavam dentro da prefeitura. “Uma das questões da prova foi escrever o nome completo do prefeito. Outra foi dizer quais as distâncias entre Ipaba e Ipatinga e Belo Horizonte”. Candidatos que vieram de fora, segundo ela, teriam dificuldades para acertar essas questões...”

(FONTE: www.uai.com.br/UAI/html/seção_3) Domingo 23 de março de 2008 08h33min

Imagino a Prova.

CADERNO DE QUESTÕES – INFORMAÇÕES AO CANDIDATO.

- Não é permitido o uso de calculadoras, celulares ou cola de papel, mão, canela, braço, etc.

- Os candidatos não poderão comunicar-se entre si em nenhuma hipótese e nem valer-se de outros meios de consultas a livros, mapas, documentos de uso exclusivo da prefeitura, cartórios, certidões e documentos de identificação de terceiros de qualquer espécie, sob pena de anulação da prova.

- O apostilamento, ou melhor, o resultado será publicado no diário oficial.

BOA SORTE (se ajudar em alguma coisa).

Responda objetivamente as questões abaixo:

1 – As iniciais do nome do prefeito do município são J.V.A. Escreva por extenso o seu nome completo (o dele, não o seu, não é para confundir). (Uma dica: o primeiro nome é José).

2 – Sabendo-se que Ipatinga é cidade pólo do Vale do Aço e que concentra a maior parte dos serviços de saúde, em casos de emergência em Ipaba, quando quilômetros deverão ser percorridos até se chegar lá?

3 – Em caso de não haver recursos suficientes em Ipatinga, qual a distância desta até Belo Horizonte?

4 – Você é de fora ou de dentro? (não da prefeitura, mas da cidade, só para não confundir, de novo!).

Gostaria de ver a classificação geral para conferir quantos primeiros lugares foram obtidos nesse concurso, se é que algum parente não errou alguma dessas questões mais difíceis.

quinta-feira, 27 de março de 2008

T.O.C., T.O.C., T.O.C.

Ultimamente tenho lavado muito as mãos. Se for habito higiênico por causa da cozinha que freqüento muito, ótimo; mas desconfio que seja mania mesmo. E tomara que sim, para não ter que admitir algum transtorno obsessivo compulsivo. Ansiedade, nem pensar, que eu não sou ansioso, eu não sou ansioso, eu não sou ansioso, óóó! É só passar próximo de alguma torneira, que tô eu ali, esfregando, enxaguando e enxugando. Na maioria das vezes elas mesmas me comandam. Nem adianta resistir; vão logo abrindo a torneira, ensaboando, e quando tento retomar o controle, fingem obedecer, pegam a toalha ou pano de prato, se enxugam e vão para os bolsos ou pegam algum objeto para ver se esqueço ou deixo pra lá. T.O.C.. Tem casos mais graves que o meu. Mania de limpeza, muita gente boa tem, como o seu contrário também, mas a pecha de mania só fica com a pessoa da limpeza. A sujeira é inclassificável nos tratados da psicologia. É simplesmente considerada caso de porcaria. Morei um período na cidade de Araxá, onde conheci a mãe de um colega de trabalho, uma dona de casa, que fazia três faxinas por dia e não era diarista, não. Era em sua própria casa. Às vezes julgava que havia terminado, mas não largava o pano. Ficava andando pelos cômodos verificando se alguma poeira havia chegado repentinamente para xingar e limpar, xingar e limpar, xingar e limpar. Tinha uma outra mãe, a de uma colega de escola de segundo grau, por quem eu era caído e que me levava sempre para almoçar em sua casa, condoída pela minha alimentação republicana – éramos vizinhos de prédio no centro de Belo Horizonte. Aquela se superava. Um dia a vi lavando as couves para serem preparadas, e o fazia três vezes com detergente e esponja, folha por folha. E ao meu espanto respondeu que a primeira era para retirar a sujeira de muitas mãos que as apalpavam na feira (as couves, viu?), a segunda era para eliminar agrotóxicos e a terceira era a normal, todo mundo tinha que lavar os alimentos antes de comer. TOC, TOC.

Para o meu caso das mãos achei um culpado, ou melhor, uma culpada: Tia Rosário. Presente em muitos momentos da vida familiar em nossa casa ou nós na dela, para saborear suas deliciosas comidas ou ela ajudar minha mãe nas grandes reuniões gastronômicas, tem duas peculiaridades e uma não é mania: os seus olhos de Midas para a feiúra humana. Todos os que ela vê, conhece ou revê após anos, especialmente se tiver algum parentesco, ficam lindos ou uma belezura como costuma expressar com a respiração aspirada. A outra sim, a que ela faz às louças, deve ser a que me ficou como herança nas mãos. Na hora do almoço, comia bem rápido, levantava-se da mesa e ficava andando em volta, vigiando se alguém havia terminado ou, impaciente, perguntava: “já acabou?”; para recolher o prato e os talheres e lavar imediatamente. T.O.C., T.O.C., T.O.C.

quarta-feira, 26 de março de 2008

BREVE ANGÚSTIA

Outro dia meu irmão me ligou para contar que o primeiro texto que um professor de seu filho na faculdade de economia em que ele havia ingressado propôs para estudos, foi o manifesto comunista de Karl Marx. Mas falou com uma espécie de satisfação redentora. Como quem suspira aliviado diante do fôlego readquirido após um mergulho profundo e sufocante É que saíram do centro das elucubrações acadêmicas as dicotomias entre o sistema capitalista e comunista. Eram o motor dos grandes e profusos debates que tanto aqueciam a fervilhante e empolgante vida acadêmica, política e social de tempos memoráveis. O capitalismo está aí firme, forte e esse negócio de revolução, de socialismo, comunismo e outros ismos mais à esquerda já foram enterrados, quer dizer foram derrubados e não guardaram nem os tijolos para contarmos a história depois. As idéias destoantes do senso comum já foram imponentes e se tornaram uma afronta impotente. Pelo animado tom de sua voz notei que deve ter sentido que nem tudo está perdido no inabalável consenso a que chegou a nossa educação formal. Consome-se hoje em dia muita informação genérica e de pouco alcance na solidificação de conceitos, formação de opiniões e idéias transformadoras. A renovação que se dá é pela troca de uma coisa por outra, simples, objetiva, pragmática. Tudo muda o tempo todo para permanecer como está. Não se faz conexão, não se exercita mais a dialética.

Estamos à deriva numa arca repleta de seres, a reboque não de um só homem, mas de uma só verdade e expostos e passivos ante as tempestades, calmarias, tubarões, escassez e fartura. Vigiados eletronicamente, ocupados com o vazio da existência, perseguindo uma felicidade escondida atrás de portas de lojas. E impassíveis. E quem discordar, assino em baixo porque a exceção confirma a regra. Senão, o que seria de Nélson Rodrigues, com toda unanimidade é burra?

E estejamos combinados; uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

terça-feira, 25 de março de 2008

O CASO DO OVO

Em Hamlet, Shakespeare disse que o sono é o prelúdio da morte. Não vou discordar porque isso não se faz aos poetas, que exprimem os mais recônditos sentidos da alma humana com a beleza mais bela que se há na face da terra e alhures. Mas vou acrescentar um verso que, se de belo não tem nada, é de muita praticidade nos momentos difíceis e também não foi feito poesia, foi expressão da realidade mesmo e das duras. Ocorreu na república do Grajaú, que era o bairro onde residia, e o local atualmente é conhecido por Morro das Pedras. Muito tranqüilo então, comparado aos padrões de violência urbana que temos hoje. Custei a arranjar uma paródia para aquela casa de aventureiros em busca de uma vida melhor, como é praxe entre os jovens de todos os tempos saídos de famílias pouco ou nada abastadas. Como a vida sempre imita a arte, meu arremedo vai para o filme “onze homens e um segredo”, que no nosso caso passa a ser onze homens e pouca comida.

Tudo que se comprava às dúzias era democraticamente dividido entre os onze coabitantes com um bônus para aquele que chegasse mais cedo em casa. Era assim com as dúzias de ovos, bananas e outros alimentos que se vendiam nessas medidas e ao alcance dos recursos da caixinha de despesas que era rigorosamente controlada por um membro escolhido periodicamente entre os demais para tomar conta dessas e outras incumbências domésticas.

Muito se pergunta ou se divaga sobre as origens das coisas, dos atos, omissões e palavras e, sinceramente, creio que a solidariedade seja fruto de relações humanas com situações comuns, mas geralmente penosas, porque a vaidade e egoísmo humanos não abrem portas para a igualdade quando é para se dividir farturas. A carência é muito mais democratizada. Já a ira individual é derivada da ausência da solidariedade, mesmo quando o seu pretexto seja um ovo.

Dona Chica era nossa cozinheira diarista, porque tinha mais de um emprego e muitos filhos para alimentar, juntando parcos rendimentos de um de outro para dar conta do recado. Era ela a divisora dos alimentos extra-panela; melhor dizendo, fora do arroz com feijão. Nesse dia patético havia deixado para cada um o seu acompanhamento de almoço/jantar – dependendo do horário de cada um chegar em casa: um ovo. O Zé Lima, que saia logo cedo e retornava em noite já avançada, guardou o que lhe era destinado dentro de seu esconderijo e guarda roupas, que consistia em uma mala sob a cama, para ser cozido e deliciado como manjar antes do descanso para a batalha do dia seguinte. Após o rápido banho para não perder muito tempo e comer e dormir logo, ao som da antiga rádio Mundial AM, como fazia todos os dias, foi surpreendido com a falta do ovo em sua mala revirada. Incrédulo, chegou a duvidar que houvesse guardado ali e revirou toda a cozinha e o quarto na esperança de ter distraidamente deixado em outro local. Ledo engano, ele havia sido devorado, como fomos descobrir durante o seu acesso de fúria, que o levou às lágrimas menos pela fome e mais pela raiva da traição. Desconfiávamos do Caetano, que era quem mais tempo ficava em casa por causa dos horários alternados de escola técnica e pela fama de glutão. Mas como acusação sem prova é o refúgio dos destituídos de caráter, ficou a dúvida quase certa de que fora ele mesmo o autor do confisco. O Zé, desconsolado e já quase resignado, deitou-se, não sem muito esbravejar e pronunciar xingamentos de teor impublicável, com um choro ressentido e raivoso. Dormia na cama superior do beliche no quarto que dividia comigo e com o Paulo, esse último, hóspede da cama de baixo, que na sua calma e resignada paciência filosófica proferiu, de baixo para cima:

- Ô Zé, durma que o sono alimenta.

segunda-feira, 24 de março de 2008

TRANSIÇÕES

Estou numa idade de transição para montes de situações. Se a vida começa aos quarenta, sou uma criança, mas de boa memória. São tantas e tão rápidas as transformações no mundo, tão descartáveis as coisas, os valores e lembranças, principalmente as lembranças, que é impossível não ficar nostálgico, já que nos tornamos inertes perante o turbilhão de fatos que nos cercam; de pensar em resistir, pensar em separar o joio do trigo. A idéia de duração, permanência, é uma vaga cada dia mais tsunâmica. O tempo parece que virou escravo de sua própria andança com o mundo e está descrevendo trajetórias imprevisíveis. Vou registrar para ver se encontro eco com meus contemporâneos e se fisgo alguém das novas gerações, porque, não faz tanto tempo assim existia uma forma muito peculiar e descomprometida de se comunicar com simplicidade. E a simplicidade eu prezo muito.

Falei das profissões que se extinguiram ou quase, agora chegou a vez das expressões que não se vê mais usar. Quem é do interior de Minas ou convive com alguém que seja e que tenha nascido antes das últimas três décadas do século passado, há de se lembrar dessas.

- menino pintão ( que pinta e borda) numa alusão às bordadeiras que pintavam o pano antes de bordar. Significa fazer o serviço completo; no caso do menino, bagunça total; é mais ou menos equivalente ao moderno menino hiperativo.

- Catiar marra - desafiar situações ou ordens quando não se tem bala na agulha;

- Culundria - aglomerado de pessoas, geralmente tramando alguma coisa ou bando de pessoas reunidas para um fim;

- Incengado – teimoso ou cismado com alguma coisa, obsessivo;

- Intertido ou intirtido (?) - o mesmo que entretido, mas ainda é bastante falado e quer dizer absorto, envolvido;

Já ouvi bate boca de pessoa querendo corrigir outra quanto à palavra que era correta.

- Gafurina esgadanhada – cabelos desgrenhados ou arrepiados, difíceis de pentear;

- Esbaforido – apressado, aflito,

- Sirigaita – era quando se queria ofender uma mulher nos termos que se faz hoje, chamando-a galinha, piranha, etc;

- Enrabichado(a) – de namoro pretendido ou garantido;

- Regateira – não, não é praticante do esporte náutico nem fabricante de camiseta, é assanhada, oferecida;

- Botar reparo - notar, observar algo ou alguém;

- Embrafustado – bacana, chique, ajeitado;

- Cafifa – maldição; desejo de má sorte;

- Dar lance – deixar por algum movimento a calcinha à mostra ( sem querer ou de propósito) dependia se havia segundas intenções.

Já vi muita briga de namorado por esse motivo. “Fica aí dando lance pros outros!”

- Isturdia – outro dia ou dias atrás;

- Latomia – chiadeira, reclamação à toa;

- Xexelento – cheio de frescuras,

- Alcoviteira- que fica ouvindo atrás das paredes ou portas, as conversas alheias para divulgar depois, fofoqueira. Vem da alcova que era assim chamado o quarto dos casais (hoje em dia, só os poetas usam alcova). Não é machismo não, mas esse adjetivo só me lembra de tê-lo ouvido no feminino.

- Embusteiro – enganador, que fala mentira par tirar algum proveito

- Vire o disco – mude de assunto. Quando a conversa é muito irritante, repetitiva ou cansativa.

Como muita gente nem conheceu o disco de vinil ( LP )..., fui!

domingo, 23 de março de 2008

RESPEITÁVEL PÚBLICO...

“...Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora.

Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio.

Me atirar lá do alto na certeza de que alguém segurava minhas mãos,

Não me deixando cair.

Era lindo, mas eu morria de medo.

Tinha medo de tudo quase, cinema, parque de diversões, circos, ciganos,

Aquela gente encantada que chegava e seguia.

Era disso que eu tinha medo, do que não ficava para sempre.”


(Antonio Bivar, trecho de "Era uma vez", Na voz de Maria Bethânia)

Assisti, numa mistura de sentimentos que classifiquei de pudor sociológico, crise existencial e encantamento, tudo ao mesmo tempo e nessa mesma ordem, ao Cirque Du Soleil. Não admitia ter que pagar tanto dinheiro para um espetáculo, mas ao mesmo tempo não podia me furtar a realizar um sonho da minha filha Clara, que abriu mão do aniversário e do Natal para receber a ida ao circo como presente. Poderia ter sido outro qualquer, mas, convenhamos, é o circo. O deslumbramento dela perante a imensidão das tendas, as luzes coloridas e dos malabarismos, contorcionismos trapezismos e outros tantos e maravilhantes ismos, me levaram de volta – enriquecido - a uma lembrança. A crise que tive foi fruto das recordações dos circos de minha infância. Mas foi só até a hora do início do show e evaporou toda a bobagem sentimental, menos o encantamento. O fascínio que o circo exerce sobre as pessoas é ainda inexplicável e também dispensado de comentário; o prazer basta. Creio que uma das maiores diversões que já foram permitidas às crianças do interior era o circo. Às vezes passavam-se dois ou três anos sem aparecer algum na cidade e no momento em que tinha espetáculo, a gente era capaz de qualquer sacrifício, qualquer aventura, qualquer pequena contravenção que nos garantisse uma entrada. Vender picolé, engraxar sapatos na rodoviária, vender chup-chup, mangas do quintal (que normalmente eram dadas de graça), etc. Quando eram vistos os caminhões desembarcando aquele monte de ferros e lonas, os trailers de morada e camarim dos artistas, as jaulas dos bichos e uma Kombi ou fusquinha com som de megafone circulando as ruas anunciando sua presença, sabíamos que em no máximo uma semana teríamos o brilho dos olhos intensificado até as lagrimas de emoção. “Hoje tem marmelada, hoje em goiabada, o e palhaço, o que é...”. Ia ter espetáculo, sim senhor.

Transformávamos-nos em santinhos do pau oco para que as mães não usassem qualquer impedimento como castigo contra falta de modos e comportamento adequado. A minha mãe se valia muito desse tipo de punição quando queria ensinar o valor que tínhamos que dar às coisas. Qualquer desobediência, atrevimento ou deslize nos afazeres e responsabilidades, o castigo era ser proibido de fazer aquilo que mais se gostava ou que mais era esperado. Então andávamos pisando em ovos nessas ocasiões para não termos melindres nem frustrações. Na época dos estudos primários, lembro que meu irmão mais velho aguardou durante um mês inteiro, mas com uma ansiedade de um século para assistir a um jogo de futebol entre o Cruzeiro da capital contra o Valério, o time local e, na semana anterior ao jogo, veio o seu boletim escolar onde havia entre tantos noves e dez, uma nota oito, o que foi motivo da proibição dele ir ao estádio ver o clássico jogo . Chorou durante toda a semana seguinte.

Escapando-se desses fantasmas, o esquema era batalhar para poder entrar no maior número de apresentações e dias que fosse possível. Minha turma mesmo tinha até manobra ensaiada, que consistia em armar o golpe da distração. Enquanto alguém mais atirado entretinha o porteiro com conversa ou encenação, o resto entrava por baixo da lona, quando não havia dinheiro para os ingressos. Esse sacrificado era depois compensado em outra sessão com a repetição do golpe e a troca do ilusionista de porteiro. Lá em Itabira vira e mexe, apareciam circos e ciganos e freqüentava a cidade, repetidas vezes um Circo de nome La Paloma, tão nosso freguês de malandragem, que tínhamos até uma rima pobre para ornamentar nossa peripécia: “Circo La Paloma, quem não tem dinheiro passa debaixo da lona”.

Lá dentro, o palhaço, o trapézio, o domador, o globo da morte, o engolidor de fogo, o medo, o riso, a glória para todas as idades.

sábado, 22 de março de 2008

TILÁPIA

Inimigos a gente faz muitos na vida. Tem de todos os tipos e para todos os gostos – ou desgosto. Já morei em muitos lugares e com muita gente de alto e baixo calão e escalão e não queixo muito nesse capítulo. Detratores tenho poucos. Declarados, na verdade, não conheço nenhum; e se me fosse dado o direito de escolher, os preferiria, porque os ocultos são mais perigosos, ensina a caminhada. É inveja, ciúme, orgulho, injustiça, traição, tudo isso constrói senão um inimigo, um amigo reticente, o que para mim dá no mesmo. Cá entre nós, o bom da vida mesmo e o cálice da salvação é, religiosamente, fazer amigos. E, se for fazer inveja ou não, ouso dizer que fiz. Não tantos quanto gostaria, mas duma qualidade sem par. Ou de uma qualidade ímpar.

Um deles é o Paulinho Patrício, também conhecido como Tilápia. Eu o chamo peixe fora d’água, não por sobreviver anaerobicamente e sim pela aversão a certos comportamentos convencionais; o que comumente chamamos de gostar de andar na contramão. Talvez por isso o apelido, nunca perguntei o motivo. Questionado por exemplo numa certa terça feira no trabalho aonde chegara com bafo amanhecido de noitada etílica, “ uai, Paulinho, bebendo em plena segunda feira?” respondia que, se trabalhava todos os dias, porque não poderia beber também? Esse negócio de agir como gado em boiada rumo ao pasto não é com ele; tá mais para ovelha desgarrada do rebanho. O que lhe atrai muitas simpatias quase sempre é o caráter assumidamente fora das convenções tácitas ou explícitas.

As mulheres gordas, que todos classificam desproporcionais, para ele são uma massa uniforme, cujas nádegas se juntaram com as costas e os peitos com a barriga. Tenho, entre muitas lembranças, guardada uma foto da época em que fui abrigado por ele em seu apartamento depois de uma separação matrimonial, onde (na foto) estou adormecido num colchão após um almoço, ele se deitou ao meu lado, me abraçou como faz um casal numa sesta e mandou alguém registrar. Certa feita, vindo exausto de uma viagem de carro que nem era tão longa, mas de trânsito intenso e tarde já para quem teria que despertar antes da alvorada para o trabalho, acendo a luz da sala para colocar a mochila e achar o caminho da cama. Havia um caixão em cima da mesa com uma vela acesa ao lado, que me fez estatelar, branquear e perder a voz num só tempo ante a cena, só desfeita com a sua saída do quarto com cara de quem nada tinha a ver com o episódio. Só riu depois de me refazer do susto quase fatal aos corações perrengues e me explicar que havia mandado fazer para uma manifestação de rua em que faríamos um enterro simbólico de um inconveniente personagem político ou econômico, não me lembro bem qual. Éramos dirigentes sindicais naquela ocasião.

Afora as brincadeiras e sutilezas da boa molecagem, é de uma solidariedade grandiosa e de uma bondade que, em conhecendo-o, vai-se logo abrindo o coração e depondo-se todas as armas que já estamos previamente habituados a carregar, se não no corpo, quase sempre na mente. A distância nunca nos afastou o convívio em pensamentos; e os contatos telefônicos e eletrônicos amenizam a saudade que bate vez por outra. A última boa lembrança foi dia desses numa conversa ao telefone em que me relatou haver voltado a beber, depois de longa pausa para tratamento de colesterol, triglicérides, etceteris, ao que ingenuamente perguntei: - mas em plena quaresma? Resposta, de aguda franqueza: - Ora, você não acha que é também uma penitência? Todo mundo pára nesse período e eu me obrigo a beber todos os quarenta dias, querendo ou não!

sexta-feira, 21 de março de 2008

O UISQUE E O SAPATO

Existe um excelente programa no canal Futura, chamado O Bom Jeitinho Brasileiro que revela o lado peculiar do nosso povo de lidar com as escassas oportunidades da vida com criatividade, engenhosidade e bom humor. São casos dos mais intrigantes e geniais malabarismos que enfrentam nossos compatriotas na luta digna pela sobrevivência e pela sobrevivência digna. Sem as malandragens perniciosas de nossos colarinhos brancos e nem o imperativo astuto do “levar vantagem em tudo, certo?”. Acho não menos genial quem teve a idéia de transformar essa exortação em um programa, pois não é que convivemos a todos os instantes com situações desse tipo e nem nos damos conta?

Vou contar então um caso de duplo desaperto para solução de problemas que à primeira vista, desencoraja a quem os enfrenta pela absoluta falta de recursos ou pela urgência de seu desfecho. Foi numa das repúblicas em que morava junto com mais dez companheiros estudantes, onde a maior abundância era a de carência, menos de laços fraternos. O Joaquim Primo tinha pretensões de cursar a medicina e custeava seus estudos preparatórios com a ajuda de um emprego meia-boca, desses não muito raros em que o patrão cobra muita dedicação, presença e competência, mas não retribui na mesma moeda. Ganhava pouco, como os outros todos da casa que possuíam alguma renda para ajudar aos pais na manutenção do sonho do ver os filhos formados. Possuía ele um litro de uísque, presenteado que fora em uma confraternização de final de ano em seu trabalho e o guardava com zelo de vigilante. Nossos hábitos e disponibilidades financeiras republicanas permitiam, quando muito uma cervejinha raramente , assim mesmo, quando o pai de algum de nós vinha visitar e deixava um dinheirinho extra, para aquelas precisões mais urgentes. Ou ainda quando aparecia um convite para festa do tipo boca livre. O uísque era um luxo longe da imaginação e do paladar. Só mesmo para ser olhado e cuidado como enfeite da casa sem mais adornos dignos de serem comentados. O Zezinho era muito vaidoso e gostava dum negocinho, que agora não sei se era para sustentar a vaidade ou vice-versa. Vivia vendendo roupa usada para nós ou trocando peças, que repetir vestimenta não era muito de seu agrado. A venda só fazia quando precisava muito de alguns trocados e percebia que alguém gostava também de suas roupas, que eram de bom gosto, e assim lhe rendiam mais que valiam. Além disso, estudava à noite e durante o dia trabalhava num banco, onde tinha que estar com a aparência bem talhada, que banqueiro gosta de atrair cliente é pelo bolso e silhueta.

Tinham os dois um compromisso de festa de casamento. O Zezinho ia ser padrinho do seu convidado e o Primo era só convidado de outra celebração. Um não tinha presente nem dinheiro para comprar. O outro, tampouco tinha sapato de domingo para ir ao festejo. Numa conversa de cinco minutos, apareceu um princípio de solução. Digo princípio porque a negociação durou o dia inteiro. Resolveram trocar o sapato pelo uísque, que ia enfeitar um e não deixar o outro fazer feio ante o afilhado. O Zezinho gostava desses modelos mocassim e o Primo, gostando ou não, tinha pouca opção de resistência; negaria o escambo apenas se não lhe coubesse nos pés. O sapato foi devidamente lustrado para ganhar aparência de saído de loja, já que ficou bem ajustado sem precisar de enchimento com jornal ou causando manco por aperto. Já o uísque foi levado na caixa mesmo, porque papel de presente era muito caro.

quinta-feira, 20 de março de 2008

RESIGNAÇÃO INDÍGNA

Está para sair ainda este ano, uma nova versão de “1968, O Ano Que Não terminou”, do genial Zuenir Ventura. Quem não viveu naquela época, nem leu a primeira narrativa, poderá fazê-lo, não por necessidade de ofício ou simples prazer literário. Mas com olhos de ser pensante nesses tempos de idéias pré-concebidas sem ressonância, sem resistência agregadora.

Quisera ter eu mais anos em 1968. Nascido já estava, mas de muito pouca idade e tinha liberdade. Não era proibido brincar. O que não se permitia era falar para ser ouvido. A não ser nos porões sombrios das armas. Ali era obrigação Mas aí, uns dez anos após, já na faixa etária que reivindiquei ter tido lá nos 68, estava também naquele resto de luta ainda com fogo, mas, com bem menos fervura. Tomei gosto pela luta, influenciado fortemente pela vida em repúblicas de estudantes e trabalhadores, onde viviam os novos amigos já mais adiantados que eu em anos, leituras e militância.

O mal naqueles tempos não era uma pessoa, um gestor público, um político, um juiz ou um algoz sozinho ou em quadrilha. Era um sistema visível, cuja perversidade todos queriam travar alguma batalha em sentido contrário. Até mesmo a imprensa, que hoje se posta de joelhos venerandos perante a quem lhe extorquiu o direito à letra, palavra e imagem fora de contexto ou de foco.

E vou logo empatando a polêmica(?) com os mais novos. Havia, como hoje, tatuagens, brincos na orelha e muito show de rock. Tudo embalado pelas idéias construídas. Mas nada de idéias que já vêm embaladas para consumo como atualmente. Esse argumento é para aqueles que rivalizam a geração anterior com um anti-saudosismo histórico. Porque tenho saudade das ruas cheias de gritos por mudanças, das mãos erguidas junto com as cabeças contra o silêncio imposto. Das grandes reuniões públicas por eleições diretas, pelo fim das torturas, por greves gerais para a redução das jornadas de trabalho e aumento dos salários, das passeatas estudantis pelo ensino público gratuito e de qualidade, das manifestações nos dias das mulheres contra toda forma de opressão, das queimações simbólicas das personagens abomináveis nos sábados de aleluia. Também sinto falta dos companheiros guerreiros dos carros de som ou das praças com megafones sem watts elétricos, mas com potentes ecos, dos que ainda permanecem na luta, mas a fazem com certa interinidade de gabinete, dos lutadores que abandonaram tudo por sentimento de derrota ou por derrota mesmo, dos companheiros antigos que se tornaram estrelas deslumbradas do poder e dão rédea curta ao contraditório. Faz-me falta eu mesmo transformando aqui tudo em letras mortas, inoperante, inquieto e fraco.

O sangue circulava-me melhor quando os combates eram movidos pelo poder das idéias. Hoje há uma guerra pelas idéias de poder, custe o que custar, doa a quem quiser sentir dor.

quarta-feira, 19 de março de 2008

TEM UM TEMPINHO AI?

Estamos vivendo a era da luta contra o tempo. Resistimos a tudo que nos “toma” esse precioso elemento. Estamos apressados para tudo. Como a nossa vida tem virado um perde-ganha descontrolado, o tempo é matéria.

Os muito atarefados se horrorizam com a possibilidade de deixar de aproveitar algum tempo que todos chamamos de útil. Mesmo que a utilidade em questão seja nada, lugar algum. Se no trânsito, o sujeito lhe ultrapassa, buzina, e vocifera, na maioria das vezes, aonde ele chega primeiro é no sinal fechado. É tão urgente a vida que estamos esquecendo até de “perder” algum tempo com nós mesmos ou com os que nos são queridos ou próximos, para podermos viver bem mais tempo. Estamos só passando. Passando correndo, aliás. Precisamos começar a perder algum tempo com umas coisas que farão a nossa passagem ser ganhadora. Não de tempo, mas de substância.

Em casa, não perdemos tempo com os filhos, com a família, para não perdermos o que passa na televisão. Com os amigos, somos breves, lacônicos, porque o tempo não pára e temos sempre algo mais a fazer. No trabalho, tempo é dinheiro, mesmo que ele não venha a ser nosso depois da correria. Se errarmos, então, foram tempo e dinheiro perdidos: rua. Tá cheio de gente com tempo esperando a nossa vaga.

Pela falta de tempo, optamos pelos relacionamentos virtuais e despendemos grande tempo na rede mundial, isso mesmo, mundial, para depois de muito tempo e dores nas costas, descobrirmos que estamos solitários entre a cadeira e o monitor.

Difícil se estabelecer ou se ouvir uma conversa sobre qualquer assunto que não seja entrecortada pelas palavras: “agora não posso, estou sem tempo”, “dê um tempo”, “se sobrar um tempo eu vou”, ou “eu faço”, ou “eu vejo”, ou “eu leio”, “isso leva muito tempo?”

O lado bom é a sabedoria que ele trás consigo, como senhor da razão, cura dos males da alma e matéria dos sensatos e pacientes. Reserva créditos futuros em longevidade para aqueles cujo tempo é exatamente a medida calculada para a satisfação das necessidades básicas e abundante para ser gasto em outros bons tempos e em alheamento e observação.

terça-feira, 18 de março de 2008

FRUTEIRA

É roupa, consuma; eletroeletrônico, consuma; é escola; consuma; saúde compre; calçado, beleza, limpeza, cama, mesa, comida, brinquedo, carro, móveis, bebida, etc., compre, compre, compre. Enquanto o dinheiro der, ou o crediário permitir. Como todas as coisas que rodeiam nosso cotidiano viram objeto de massificação se alguém vislumbrar a possibilidade de tornar algum produto consumível, vivemos verdadeiramente atormentados por anúncios a toda hora e em qualquer lugar, com promessas de felicidade total. Aliás, da forma que nos são mostrados os produtos, só é possível alguma felicidade se ela for adquirida. À vista, no cartão ou no cheque. Todos os dias, mesmo que não nos façam a menor falta ou não alterem em nada a nossa vida, a ordem é comprar, ter.

Eu com essa minha mania de procurar um lado bom em tudo que vejo ou ouço, nem que seja uma beiradinha só, nem que seja para me aliviar do enfado dessa vitrine de futilidades que está virando a nossa existência, sempre acho um viés bom nas coisas. Fico que nem coruja e o que tem mais me prendido a atenção nos reclames de consumo é com relação à alimentação. Já está todo mundo ficando desesperado perante as novas doenças, a obesidade, e os produtos e serviços para maquiarem as imperfeições físicas causadas pelos entupimentos do excesso de ingestão alimentar ganham cada dia mais espaço e, para não perder o costume, vendem-nos mil promessas de redenção, com academias, remédios emagrecedores, géis, tônicos, ligths, diets e outros venenos.

Não sou exemplo elevado dos melhores e mais saudáveis hábitos à mesa, mas confesso que tenho me esforçado significativamente para retomar antigos costumes, próprios da condição humana: consumir o que de melhor a natureza ainda nos oferece em busca de uma saúde que me tem sido tão cara por causa de desvios e abusos que cometi goela abaixo nos últimos tempos. Também não pretendo me tornar um chato comensal, já que não aboli os pecados da gula e tampouco quero perder a companhia de quem não está nem aí para essas coisas. Só busco algum equilíbrio na hora em que penso o que já passaram meu estômago, fígado, rins, coração e outros órgãos coadjuvantes na minha caminhada de sobrevivente. Simples, passei a consumir regularmente, junto com as demais guloseimas, muitas frutas, legumes, verduras e alimentos mais naturais a ponto de suplantarem em número o de comidas mais contaminantes. Porque em qualidade as naturais dispensam loas. Esse é o meu ponto de equilíbrio. Que cada um procure o seu, se assim o desejar. Não será por isso que vamos deixar de sempre nos sentar à mesma mesa. E devo dizer que me sinto melhor, se serve de estímulo. Posso até adoecer ou subitamente ter uma morte estando saudável, mas, que me sinto melhor, sinto. Todos os dias. Nem vou esmiuçar outras atitudes que tenho tomado, como fazer uma atividade física leve e regular, tomar muita água, suco e menos refrigerante, comer um pedaço de chocolate sempre, banana, mamão, limão, fibras, usado temperos caseiros nas comidas que faço (é, eu gosto de cozinhar), para não acharem que estou querendo vender alguma coisa. Mas, se por acaso quiserem me agradecer por alguma coisa aproveitável nesse falatório aqui, podem marcar para a festa do meu centenário: 02/09/2062.

Na minha casa, a decoração da cozinha ganhou até movimento semanal. A fruteira está sempre renovada de cores e sabores por causa do consumo diário. E sem mais rodeios eu digo o motivo: O homem antes plantava seu pomar, comia a fruta ali mesmo no pé e jogava a cascas e as sementes no chão que era para readubar e brotar mais. Depois, o tempo foi se escasseando e foi inventada a fruteira. Ficava mais fácil ainda ter as frutas ali na mesa. Agora que o tempo nada mais é que uma chance de ganhar urgente algum dinheiro, elas foram industrializadas e enlatadas ou engarrafadas. Em muitas casas alguma coisa da tradição ainda se mantém. Não se come mais frutas, mas elas estão lá na fruteira. Tudo de plástico, que nem vaso de planta.

segunda-feira, 17 de março de 2008

NASCIDO DE NOVO!

Essa foi minha irmã quem me contou. Faz ela aniversário em dezembro, próximo ao natal, dia 22 e o Gentil, meu cunhado, em 08 de março, juntamente com o dia da mulher. Sofreu ele um grave acidente anos atrás, precisamente no dia de anos dela e o médico que lhe deu os socorros, diante do quadro de um grande coágulo no cérebro, afirmou que o mesmo nascera de novo, tamanho o risco fatal do impacto da pancada. Lembro bem o dia, pois estava em Itabira para comemorar o aniversário dela e já emendar com o Natal e fui quem recebeu a notícia trazida por um moço pálido e assustado que tocou a campainha da casa de meu pai num fim de tarde daquele dia, que caíra num domingo. Era um colega de trabalho que havia ajudado a socorrê-lo no local juntamente com o Marrom (o apelido do amigo e também acidentado não menos grave que vinha junto no banco do carona). Primeiro o susto e depois um tremendo corre-corre até o pronto socorro municipal para nos acercarmos in loco da situação. Exames feitos e constatado o estado que relatei, o doutor deu expressa ordem para que o transferissem à capital, de modo a lhe ser provido atendimento com maiores recursos médico-hospitalares. Cumpridas todas as exigências e recomendações, deu-se boa e satisfatória recuperação, não lhe restando qualquer seqüela do acidente passando o mesmo a comemorar duas vezes o nascimento.

Agora no mês de março, liguei no dia nove para não ter que parabenizá-lo no dia da mulher e de modo a permitir fazer-lhe zoeira da coincidência de datas. Não o encontrando em casa, deixei com a minha irmã meus votos de saúde, paz, felicidades e muitos anos de vida, ao que ela me disse não haver problemas pela seguinte seqüência de fatos: “comemora junto com o meu por ter nascido de novo e junto com o dia da mulher, porque não é à toa que se chama gentil”.

domingo, 16 de março de 2008

TEATRO

Timidez e vergonha na minha compreensão sempre tiveram uma definição parecida nas atitudes que empreendi ao longo da vida. Não sei ainda estabelecer os limites de uma e de outra. De onde veio isso, também acho que não sei muito bem. Desde muito cedo já abominava a possibilidade de estar em evidência diante dos fatos e pavor diante de muitas pessoas. Na escola tremia, gelava e perdia a pigmentação da pele só de pensar que poderia ter que responder a alguma questão em voz alta em sala de aula. Ir ao quadro negro então dava arrepios e dor de barriga. Encontrei recentemente e depois de muito sofrimento uma explicação satisfatória para mim e ao mesmo tempo apaziguadora com esse passado, já que não posso mais reverter o quadro. Se bem que até melhorei um pouquinho. Falo demais, não em público, mas converso muito como forma de superação, numa espécie de acerto de contas com o trauma que carrego. Cheguei até a ser sindicalista. Não que essa função transforme alguém em pessoa melhor que os outros, mas pela busca de igualdade e contra injustiças, fiz muitos discursos.

A justificativa é que, sendo filho de operário, criado em um bairro construído pela companhia mineradora da cidade exclusivamente para operários e habitado exclusivamente por operários e suas famílias, onde ela ditava tudo, os resquícios de submissão resvalavam de pai para filho igual transmissão hereditária, sem nenhum obstáculo visível ou declarado. A firma dava escola, material, presente de natal, tirava a gente de casa quando ia dinamitar a mina, que era muito próxima, fornecia o transporte, a comida básica e os remédios, além de ser dona do hospital. As rebeldias eram surdas, mudas e tratadas como maluquices. Além disso, os filhos carregavam sentimentos de culpa quando faziam artes próprias do ofício de ser criança e ainda tinham de ouvir dos mais velhos que tais atitudes poderiam prejudicar o emprego do pai. Em resumo, crescemos quase todos ali sob o império do sim senhor.

Lembrei-me disso para falar de teatro. Ou o porquê de não ter me tornado um grande ator (modéstia, não?). Durante o curso fundamental (na escola da Companhia desde as primeiras letras), eu tinha um professor que era um irmão holandês dessas irmandades que espalham religiosos mundo afora para a catequese entre os ímpios e incréus. Ele dava aulas de Educação Artística. Irmão Cristino. Era um varapau, de quase dois metros, sisudo e carrancudo, mas indulgente e dócil com aqueles com os quais simpatizava e creio que era o meu caso. O nome de verdade era um embolado difícil de pronunciar e adotou Cristino que assim é regra da igreja nesses casos. Adotar um nome e costumes do povo que vai arrebanhar para facilitar a missão. Gostava de teatro e sempre ensaiava peças em todo o colégio, indicando os candidatos a atores entre os seus eleitos ou alunos prediletos. A peça que me revelou um borra-botas era Pluft, o Fantasminha, texto de Maria Clara Machado. Justo essa: o fantasma que tinha medo de gente. E convidou-me para ser o personagem principal. Parece até que conhecia minhas idiossincrasias. Amarelei, nem precisa dizer e já fui logo negando para não haver possibilidade de insistência. Não prejudicava nas notas mesmo! Ainda assim não deixei de comparecer ao espetáculo. Era uma necessidade, pois, me abriria a possibilidade de arranjar uma saída honrosa à minha negativa, caso a peça não saísse bem ao gosto da platéia. Foi no colégio N. S. das Dores, escola de religiosas para meninas e homem só entrava nessas ocasiões ou se fosse para alguma manutenção. Tinha lá um pequeno palco acortinado onde se realizavam todas as apresentações dos colégios da cidade. Foi um retumbante sucesso de público e eu, lá do fundo, nas últimas filas, observava que o Irmão dirigia a peça e também me dirigia olhares sob os grandes óculos, com aquele semblante que expressava um lamento, como se quisesse me dizer: “veja só o que você perdeu!”

sábado, 15 de março de 2008

É SO UMA PICADINHA DE FORMIGA

Um bombeiro que desmaiava ao ver uma agulha sendo usada ou ter que aplicar uma injeção foi demitido. Deu no noticiário da internet. A notícia na internet ou na tv na maioria das vezes, serve muito mais à inspiração e à lembrança do que à relevância. Mas deu. E me recordou dois episódios curiosamente inusitados. O primeiro só fui compreender muito tempo depois. Ainda não estava habilitado a decifrar as vicissitudes humanas ante a fatos que para mim eram tão corriqueiros. Mesmo sendo, ou apesar de ser criança como na época em que seu deu o acontecido. Já presenciei muito pavor de agulha nas campanhas de vacinação ou aversão a sangue em episódios em que fazia doação, mas esses me acudiram a memória pela comicidade. Meus dois irmãos e mais um primo haviam sofrido grave acidente de carro e estavam sob cuidados médicos em um hospital na capital, Belo Horizonte. Morávamos então em Itabira. Minha mãe havia conseguido que os visitássemos, eu e as duas irmãs mais novas, às escondidas, já que não era permitida para menores de doze anos a entrada, a não ser como pacientes. Estavam bem machucados e o meu irmão mais velho, o Paulo despelou da cintura para baixo, ou, no jargão apropriado, estava em carne viva. Chegou lá um casal de namorados, estranho para nós, mas conhecidos da mãe. Eles manifestaram pelas faces ruborizadas, o quanto ficaram impressionados pelo estrago provocado e o rapaz, não se conteve de curiosidade, insistindo que minha mãe descobrisse o lençol das pernas dele a fim de ver melhor como ficara. Ela dizia ser melhor que não, podia se assustar, etc, mas o sujeito teimava. Vencida pela insistência, foi tirando a coberta e o moço foi desfalecendo, no mesmo ritmo do movimento de retirada do lençol e antes mesmo que ela terminasse, ele já estava nos braços da namorada precisando de sais aromáticos.

O outro caso foi quando morava na cidade de Mariana e trabalhava em uma grande empresa. Fomos todos consultados sobre a possibilidade de doar sangue à esposa de um colega de trabalho que seria submetida a uma grande cirurgia, também na capital, ao que me prontifiquei, estava já acostumado a fazê-lo sempre que não havia nenhum inconveniente com a saúde ou quando não havia ingerido algumas cerveja a mais na noite anterior. Éramos em torno de oito ou dez doadores. No hospital, preenchemos o formulário de praxe e nos enfileiramos nas cadeiras aguardando as duas enfermeiras que se revezavam na retirada do sangue. O Jair, um moreno alto e forte com seus quase 1,90m ( hoje em descanso eterno) descoloriu, ou amarelou modernamente falando, ao ver a agulha e teve de imediato, a pressão aumentada até os 18 x 12 quando a moça viu-lhe a falta de rubor e resolveu medi-la antes por via das dúvidas. Para evitar algum constrangimento nem mexer-lhe com os brios de homem macho, disse a ele para aguardar para ver se a pressão baixava um pouco, que deveria ser excesso de calor, cansaço da viagem ou coisa que o valha. Fez uma cara corada, parecia que era de satisfação ou alívio e nem quis perguntar se haveria nova tentativa depois que elas terminaram a retirada dos demais. Ao oferecer-nos um lanche repositor, uma das enfermeiras nos segredou que isso acontecia. As pessoas temerosas por agulhadas, geralmente desmaiavam ou tinham a pressão elevada ou corriam do hospital sem sequer olhar para trás. Por esse motivo ela havia inventado para ele, numa conversa reservada, uma história amena de que seu sangue houvera engrossado demais e não lhe saía das veias.

sexta-feira, 14 de março de 2008

TEMPOS MAIS QUE MODERNOS

O que você vai ser quando crescer? Esse é um dilema de pais, crianças e adolescentes desde os modernos tempos em que a revolução industrial esfacelou o saber coletivo e empurrou para a especialidade o homem que sempre construiu sua própria sobrevivência e a transmitia para sua descendência num ciclo natural da humanidade. Preste atenção no que vou dizer: Não faço aqui apologia ao passado, mas não vou deixar de dizer as coisas como elas eram só para agradar a quem não gosta de velhas histórias. E olha, que nem sou eu o dono deste desabafo. Ele vem de Machado de Assis, século XIX. Portanto, estamos conversados: só atualizei.

Motorista, engenheiro, professora, costureira, mecânico, médico e muitas mais das profissões clássicas naqueles antigos tempos modernos povoavam o imaginário e o desejo desses pais e filhos. Buscava-se algo que correspondesse à aptidão de cada um. A antiga vocação foi sendo surrupiada pela oportunidade, que a tecnologia, para o nosso bem ou nosso mal vem impondo. Hoje ela é coisa rara para ser empregada no momento da escolha ou do instante de bater as próprias asas. As pouquíssimas exceções são logo confirmadas por um talento inato ou apadrinhadas por um berço de ouro, que fornece ao candidato o benefício da espera pelo momento certo de se fazer a opção profissional. Mas é bom ir adiantando ao freguês que, com os avanços na medicina, com a nossa alimentação cada dia mais trans, com os mecanismos cada dia mais sofisticados de comunicação e com a nossa desenfreada marcha para o eu sozinho, novas doenças surgem no mercado da saúde, novos equipamentos vão sendo criados para facilitar o nosso ócio físico e mental, novos serviços vão sendo criados para atender a nossa indisfarçável solidão e, assim também vão surgindo novas profissões, nunca antes cogitadas, para atender a esses reclames que não fomos nós que fizemos.

Primeiro vou falar de algumas profissões que a modernidade engoliu, só para lembrar mesmo, depois a gente entra no assunto propriamente ao gosto da modernidade. Por exemplo, não temos mais ou quase não temos mais, alfaiate, lambe-lambe, reparador de máquinas de escrever (nem a máquina), sapateiro, apontador, telegrafista, leiteiro... Ah, eu sou do tempo em que o padeiro passava de porta em porta de bicicleta ou de Kombi duas vezes por dia com pão fresquinho.

Andei pesquisando nos classificados de jornais, alguns exemplos que ainda não entendi bem os significados, mas dá para se ter uma noção das atribuições dos novos afazeres profissionais. Já temos o médico do tráfego, que, imagino, deve cuidar para que possamos ir e vir com saúde física e mental, a despeito do nosso louco trânsito. Deve ser um psicólogo de motoristas e pedestres. Outra especialidade médica nova para mim é a cosmiatria ( que a princípio pensei cuidar da influência do cosmos em nossa saúde), mas é um ramo (ou vamos chamar de ciência?) que trata dos aspectos da beleza humana. No campo da prestação de serviços, existe a hostess (uma espécie de babá para ensinar bons modos a adultos) e o observador de ambiente de vendas (um espião a serviço do próprio espionado - no caso-, o dono do ambiente). Temos também no mundo do lazer ou o que eu chamo de gerenciamento da solidão, o administrador de comunidades virtuais e o planejador de games. Acho que o primeiro administra nada para ninguém e tudo para todos, ao mesmo tempo e nessa ordem. Já o segundo deve passar a sua jornada criando novos jogos para ajudar a podar a imaginação criativa de nossas crianças e dar sossego para os pais que não têm tempo de participar da formação dos filhos. Nada de pressa ou de pânico, estamos combinados? Quem sabe, uma hora dessas não passa um cavalo arreado na sua porta? Ou prefere um trem-bala?

quinta-feira, 13 de março de 2008

PESADELO

“Tudo o que cala fala mais alto ao coração”

(Lulu Santos e Nélson Motta – Certas Coisas)

Eu, de vontade própria tenho muita dificuldade em guardar ou lembrar os sonhos de noites bem ou mal dormidas. O meu subconsciente faz isso para mim. Lembrar-me, às vezes não, mas perturbar-me com sonhos indesejáveis, sim. Acho que ontem vi muito e ouvi falar tanto de acidentes que esse controle autônomo que temos, esse tal de subconsciente, não me deixou dormir sem a companhia da tragédia. Na primeira acordada que tive suado e tenso, pulei logo da cama com medo de voltar a dormir e os sonhos voltarem junto. Agora imperturbável aqui nessa cadeira que me acessa ao teclado, lembrei-me de uma dura experiência real que virou pesadelo, num endereço de república entre os muitos que houve em época de estudante.

Morávamos no centro de Belo Horizonte, edifício Maletta, famoso por vários atrativos ruins naquela época, exceto pelo preço do aluguel. Um de nossos companheiros de apartamento começara do nada, a dizer coisas sem sentido durante o seu sono, o que viemos a perceber só mesmo quando certa vez fomos despertados pelo barulho da janela do 11º andar onde ocupávamos um apartamento, alta madrugada. Ao acudirmos o sonâmbulo, notamos que falava e chorava, coisas incompreensíveis. Nós o despertamos depois de afastá-lo da janela e perguntamos se havia tido algum pesadelo ou se errara a porta do banheiro, já que havia tempos que dividíamos o mesmo espaço e ele nunca tinha apresentado esses disparates noturnos. Desconversou e voltou a dormir como quem apenas sofreu algum desarranjo momentâneo, mas que estava exausto e tinha aula nas primeiras horas da manhã. Dias seguintes, repetidas vezes, os sonhos povoando seus sonos e nossa insônia, passamos a fazer vigília revezada, temerosos pelas suas constantes tentativas de se jogar pela janela durante esses episódios. Agora já compreendíamos algumas de suas balbúcias, onde inconformava-se com uma moça que - dizia ele - não podia tê-lo abandonado daquela forma. Instado amiúde a contar-nos o que se passava em sua vida, dizia nada e reiterava ainda não se lembrar do que houvera sonhado em noite anterior. A situação foi se agravando porque já não dormia sequer uma hora consecutiva sem manifestar os pesadelos e levantar-se. Isso também estava esgotando-nos junto com as tarefas de estudarmos todos e estudarem e trabalharem alguns. Recorremos então ao decano da república, uma espécie de irmão mais velho e conselheiro de todos (no meu caso era irmão mais velho mesmo) para que tomasse providência que desse fim ao flagelo do colega e ao nosso. Já estávamos dando-lhe anti-alérgico como sonífero. Não para nos livrar do problema, mas para dormirmos sem temores e não perdemos aulas ou faltarmos ao trabalho por não haver dormido a noite quase toda. O remédio foi uma prescrição de outro colega que o usava para as suas coceiras e que dizia não se sustentar acordado quando tinha que ingerir algum comprimido.

Marcou-se reunião de todos para uma tarde e, pressionado pelos fatos, contou-nos, não sem muito sofrimento nosso, o seu penar. Tinha arranjado uma namorada linda e rica na escola técnica onde estudava e apaixonara-se perdidamente pela moça num lance tão rápido quanto foi sua morte durante as férias escolares, acometida de uma grave, impiedosa e rápida doença, que até hoje, imagino mas não sei do que se tratava.Ele soubera pela cunhada, que só foi conhecer pelo fato dela tê-lo procurado com uma carta de despedida que a falecida deixara em suas mãos caso não retornasse das férias.Tinha relevância para ele o fato da menina ser rica. Era o motivo de ter escondido de todos nós o relacionamento. Seu medo era que pensássemos ter ele interesses outros que não o amor puro que devotava a ela. Daí por diante, administramos com mais atenção, tolerância e solidariedade os seus momentos de crise onírica, que até reduziram-se um pouco com o desabafo entre amigos.

A saída encontrada ante ao medo nosso de suas aproximações noturnas à janela foi encaminhá-lo a um tratamento psicológico. Primeiro em minha escola onde havia um psicólogo que o atendia de graça ( não tínhamos recursos para bancar) nem ele queria que seus pais soubessem do caso. O que se tornou inevitável tempos depois, já que o profissional que lhe cuidava na minha escola escorregou, alegando estar sendo cobrado pela direção por atender pessoas que não eram alunas sem pagamento de honorários.O que aliviou a todos desse pesadelo vivo foi seu pai saber por nós dos fatos e providenciar terapia adequada.

quarta-feira, 12 de março de 2008

IBVB, OBRIGADO

Desenvolvi meu próprio sistema para aferição de crescimento da economia e distribuição de renda. Mesmo que essa distribuição se dê em círculo e não fuja da roda. Chama-se Índice o Brasil Vai Bem, Obrigado. Daqui para frente vamos tratá-lo por IBVB, Obrigado. Não tenho muita pretensão, uma vez que economia clássica não é especialidade minha. A doméstica sim, essa entendo bem. Espero, entretanto, que sirva para orientar os catastróficos boletins de imprensa dos economistas e comentaristas de economia, quase sempre assemelhados a previsões astrológicas. Só trocam os céus e os astros pelos cenários, os mercados e os investidores. O meu não. Qualquer um que vive de salário, sem salário (principalmente), ou de vender algo hoje para garantir o leite das crianças pode usá-lo com muita eficácia e eficiência. Essas duas últimas palavras aprendi com os economistas. Serve também para orientar estudantes de economia a produzirem uma monografia ou tese, se não for de minha parte querer muito. (O meu sobrinho Leandro esta cursando. Alô, meu jovem, aproveite a ocasião)

O método básico consiste em observar os movimentos em todos os lugares, em todas as direções, com todas as alterações que forem se operando no tempo. Das pessoas e das coisas e das coisas e das pessoas. Parece difícil à primeira vista ou observação, mas é simples. Os ônibus que você costuma usar estão mais cheios ultimamente ou não? Não leve em conta horário, número de carros na linha, essas coisas que nunca são obedecidas. Sempre que andar de táxi, converse com os motoristas. Esses sempre falam da praça, se tá ruim ou boa. Melhor ainda com aqueles que pagam aluguel do carro e vivem na correria danada atrás de passageiros. Às vezes, pelo sorriso ou pela cara amarrada, já dá para avaliar, sem precisar perguntar nada. Caso não tenha grana para o táxi, procure conversar com eles assim mesmo nos pontos de parada. Enquanto aguardam a vez, adoram um bate papo. Observe o movimento dos catadores de lixo reciclável. Se o número deles tem aumentado ou diminuído em sua rua, seu bairro ou nos locais onde freqüenta. Quando diminuem pode ser uma leve e provável tendência de que conseguiram algum emprego. A fila do caixa do supermercado é um outro bom parâmetro. Ultimamente, elas têm sido enormes de 2ª a 2ª. Esse item pode ser estendido a sacolões, padarias, farmácias, açougues e outros lugares que a gente não deixa de freqüentar, mesmo que não queira. Os moto-boys são outro ponto a ser notado. Pelo menos aqui em Belo Horizonte eles já estão quase que se igualando em número ao dos carros. Emparelhados com eles, já estão há muito tempo. Viajar de ônibus ou de carro é mais um excelente termômetro. Veja as demoras nas rodoviárias, nas estradas e o incrível aumento do número de acidentes. Nisso eu rivalizo de novo com os boletins da mídia, que só dão atenção ao tal do caos aéreo. Que caos, se só seis por cento da população viaja de avião? Já viu repórter passar o dia inteiro numa rodoviária para falar do caos dos ônibus? Um item interessante. Se você tiver um cachorro ou gato de estimação, note quando for levá-lo para banho ou tosa. Agora tem fila de espera. Há lugares que tem até agendamento prévio. Mas se não os tiver, ou se tiver e eles tomarem banho na mangueira de casa mesmo ou não tomarem de jeito nenhum, sem problemas, não invalide a observação. Fique uns instantes na porta de uma loja dessas e verá com os próprios olhos. Ou então dê uma ida a um supermercado ou drogaria, na seção de comida e outros produtos para animais. Tem ração igual a arroz e feijão.

Portanto, a não ser que você esteja dentre os milhares de poucos investidores, empresários, que esteja a serviço da mídia, seja executivo de grandes corporações ou ainda economista de escola, nada de Bovespa, Dow Jones, Nasdak, Tóquio, Nova Iorque, mercados emergentes e outras volatilidades (esta também os economistas me ensinaram ). O meu método é fácil e pode ainda ser enriquecido com outros quesitos à sua escolha. Use o IBVB, Obrigado.

terça-feira, 11 de março de 2008

APRENDENDO A LER

Quando crianças, os nossos olhos vão se abrindo (metaforicamente), na medida em que nos vem a fala e depois os demais mecanismos de comunicação que vamos captando durante o crescimento. Como pais, acompanhar essa trajetória é melhor que ganhar em todas as loterias. Permito-me aqui fazer analogias desse imenso prazer ( da participação) com o enriquecimento. Mas tá bom, tomem o dinheiro como metáfora. As palavras vão surgindo desconexas nas primeiras falas e se encaixando tanto quanto a percepção e o aprendizado vão cedendo lugar. Um aparte, antes de ir aos fatos para justificar o texto: hoje em dia há tanta palavra, imagem e informação disponível que desconfio proporcionarem, em breve, às crianças dos nascimentos próximos, já virem à luz, em vez de chorando, balbuciando. E assim se vai aprendendo e vivendo (as crianças) e vivendo e aprendendo ( os mais velhos). Pelo menos até a idade escolar acontece mais ou menos assim, de acordo com as articulações que a criança tem à sua disposição ou é capaz, por si só de estabelecer com o mundo da palavra. Então no contato com as primeiras letras, aí o mundo vira outro. Parece um míope quando descobre a deficiência e usa óculos pela primeira vez. O mundo ganha um novo brilho e colorido. O sentimento que se tem é de que, ao aprendermos a ler, dá vontade de engolirmos todo o mundo. Ou ir engolindo-o aos pedaços ou às sílabas, para que fique mais bem ilustrado.

Minhas duas filhas guardam a distância entre si de 11 anos, mas em comum, guardo eu das duas, a similaridade de atitudes no aprendizado da leitura e é desse prazer de genitor e observador que quero falar. Uma de cada vez e com hierarquia, que foi assim que me ensinaram. Vamos então à Maíra, que é a mais velha.

Morávamos em Mariana e vínhamos de ônibus para Belo Horizonte a convite de um irmão para passar um fim de semana em sua casa e ela veio em meu colo (ainda muito pequena, era beneficiária do passe livre). Grudada com o rostinho na janela do veículo, não perdia um detalhe sequer do movimento lá fora ou do movimento cá dentro, isso é muito relativo (já dizia Einstein). Na entrada da cidade, longe a vista já alcança o mundo da ilusão, pelos letreiros de propaganda, placas de out door e muros rabiscados, onde se vende de tudo e atiça a mágica curiosidade dos olhares de aprendiz de bê-á-bá. Foi devorando tudo que lhe foi permitido pela velocidade do ônibus, deixando cair letras pelo caminho aos solavancos do veículo ou aceleradas do motorista. Até que, parado o ônibus em um semáforo, aquele breve momento permitiu que ela se fixasse em uma placa duma loja de som automotivo e que leu célere, para minha surpresa a palavra “casa verde”, me olhando como quem pede aplauso ou elogio, mas engasgando ao mesmo tempo para soletrar a placa do alto falante. Lia “bravo” e dizia, não; “bravoche”, também não. O ônibus arrancando e ela apressada e não querendo dar o braço a torcer disse: ah, pai é bravoc, né? Era Bravox. Tinha então cinco anos.

A Clara iniciou também cedo a vida acadêmica. Partiu da palavra para as letras já aos dois anos de idade. De todas as jóias proferidas por ela durante o seu aprendizado, essa, infelizmente, não presenciei ao vivo por não estar ela mais morando comigo. Mas foi mais ou menos como a irmã: perto dos cinco anos. Havia se mudado para o interior de São Paulo, onde a mãe prosseguia estudos. Mas ouvi dessa última o relato e considero que foi bem marcante pela criatividade e o desaperto quando se tem interesse no aprendizado, ainda mais se ele vier acompanhado de um bônus, como se deu o ocorrido. Soletrava já algumas sílabas e até mesmo palavras soltas.

Dia de muito calor, cidadezinha do interior, o passeio predileto de pais com filhos, geralmente é nas praças. Ou da Matriz ou do Coreto, enfim, a praça de encontro nas cidades pequenas onde o calor humano é mais perceptível que nas metrópoles. Empolgada com a desenvoltura da pequena na escola, as duas vão andando pela rua e a mãe, sempre diante de algo escrito pedia a mesma para ler. Foi tentando sem muito interesse, mas tentando e puxando a mãe pelo braço até porta de um estabelecimento em cuja parede derretia o desenho de um sorvete e também continha o nome do lugar. A danadinha, já suada e querendo mostrar serviço não só para ser elogiada, mas também para concretizar sua segunda intenção parou bem em frente e leu o desenho: “olha lá, mamãe, ali está escrito sorveteria.” A mãe ganhou o dia e ela, um sorvete.

segunda-feira, 10 de março de 2008

A ARCA DO FUTURO

Urgente – o mundo esta melhorando

Vejam só: deu na imprensa dia 07/03 que o Bill Gates deixou de ser o homem mais rico do mundo. Passou para o segundo lugar. Imagino que ele nem deve ter dormido à noite caso tenha sido pego de surpresa por uma notícia dessas. E olhem que é de fonte bem famosa. Uma tal de revista Forbes Não é fantástico? Será que ele andou queimando dinheiro? Ou será que geriu mal os seus negócios a ponto de virar o segundo da lista? Também não deve ser muito problema, não. A diferença é uma mixaria de 1 bilhão e pouquíssimos milhões de dólares entre a fortuna dele e a do primeiro colocado. É bem possível que aquela conversa de que anda dando o seu salário para entidades beneficentes deve ter prejudicado seu desempenho. (acreditem ou não, ele tem salário) Dizem que são mais de dez mil dólares todo mês. Também, eta povo que gasta, esse povo pobre!

E o Brasil pegou carona, por conseqüência. Entrou mais um brasileiro na lista, que agora passa a ter três pessoas. Bastante considerável esse número, principalmente levando-se em conta que a nossa população é só de cento e oitenta e poucos milhões de brasileiros. A vantagem de ser rico assim deve ser porque o cara não é rico uma vez só, mas bilhões de vezes. Tudo o que se quiser ter, se tem até cansar, enjoar, jogar fora, comprar mais e ainda não acaba o dinheiro. O que me dá medo é se eles resolveram, entediados de ter todas as coisas materiais possíveis, pararem de comprar imóveis, fazendas, ilhas, carrões e resolverem comprar países. Esse povo, do jeito que é meio maluco... Sei lá! Mas tenho esperança que os povos vão reagir e não vão deixar. Aí, eles terão de desenvolver um sistema biológico em algum planeta ou construir umas máquinas que cumpram essa função e assim, comprarem esse outro planeta. Dinheiro para isso não falta. Se bem que podem alegar que os planetas não têm dono, poucos têm recursos para irem para lá e poderão invadir. Aí, vão construir sua arca de Noé do século XXI. Que deverá se chamar A Arca Dos Mais Humanos Que Os Outros. Devem estabelecer uma seleção rigorosa para quem quiser trocar de planeta, com critérios bem definidos, do tipo: patrimônio ( só entra quem tiver mais de Bilhão); cor (uma só, pois, certamente vão querer purificar a raça humana para vingar tentativas do passado recente); quanto ao sexo, (agora fiquei na dúvida, não sei se haverá alguma restrição. Eles se entendem); credo religioso: deverá ser criada lá, depois de todos instalados, uma religião que atenda a todos os interesses, sem afetar os bens e valores de ninguém (valores aqui é um eufemismo e desculpem pelo trocadilho). O Deus será democraticamente eleito entre eles, com mandato, etc. Para não ter problema de cada um que cismar ir criando uma religião com um Deus diferente do outro, com mais poder, como fazem na Terra, inclusive para ganhar dinheiro.

Animais, para embarcar, só com pedigree, ISO 9000 e, mesmo assim cães e gatos, que estão muito em evidência hoje em dia. Uma ou outra espécie diferente deverá ser permitida aos mais excêntricos, desde que paguem por isso e criem lá, um sistema biológico adaptável a elas. Plantas, nem pensar. Não precisaram delas aqui, qual o valor vão ter lá? As máquinas cuidarão de fazer belos monumentos artificiais, que eles gostam de coisa enfeitada.

Ah, e brasileiros (exceto os bilionários), achando que, com jeitinho se oferecem para motorista, babá, garçons, etc., podem ir tirando o cavalinho da chuva, que a robozada vai fazer tudo.

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